Um defunto estrambótico:
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Um defunto estrambótico –
A conhecida obra de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, ganha neste estudo de Valentim Facioli uma abordagem reveladora. Em Um defunto estrambótico, o autor, fazendo uso de um termo até certo ponto machadiano – o significado de estrambótico e sua variante estrambólico é pouco conhecido – lê esse defunto-narrador como uma metáfora de um Brasil escravista, ´carcomido´ por contradições entre o arcaico e o moderno, e se esse é um ponto forte da sua análise, não é só essa implicação que Facioli analisa.
O estudo mostra como Machado opera uma relação estranha entre seu narrador-personagem e o leitor. Trata-se de uma brincadeira, um capricho, um desrespeito, uma fraude? A narrativa propõe uma ruptura com um princípio básico do realismo, porque quem fala, pensa e expõe as idéias, não estaria apto a fazê-lo. A ele só restaria ser devorado por vermes, pois não é esse o destino reservado ao defunto? Mas não. Há uma quebra da verossimilhança e somos atormentados com idéias estapafúrdias de um defunto a nos atazanar a vida. Seria o defunto Brás uma alma penada a querer assombrar os leitores, ou a ironia de Machado tem outros desdobramentos que não se percebe prontamente?
Outra complicação de fundo da narrativa de Machado (ou seria de Brás Cubas?) que Facioli bem analisa é aquela em que o leitor é sempre desafiado a acreditar ou a desconfiar do que está lendo, pois o ponto de vista da narrativa é sempre de Brás Cubas e não existe outra fonte a respeito dos acontecimentos narrados. E tudo se complica ainda mais quando ele afirma que ´só fala a verdade´, pois na condição em que se encontra ´não teria por que se comprometer com as mentiras ou
meias-verdades dos vivos´. Quem estaria delirando nesse caso: Machado, Brás Cubas ou seria esse delírio um retrato especular do Brasil da época?
Por outro lado, sendo Brás Cubas uma paródia ao nome do colonizador português, não estaria Machado dando nome aos bois e, por extensão, dando ao seu personagem um pouco daquilo que significou a colonização do Brasil feita à moda portuguesa, com todas as suas implicações, sendo Brás Cubas um cavalheiro rico e ´ilustrado´?
Esta análise enfrenta as traições que espreitam cada dobra da narrativa, especialmente as astúcias, máscaras, meias-verdades, meias mentiras e fraudes perpetradas pelo narrador-defunto, cujas memórias são também uma memória do Brasil para a posteridade, feitas com humor, ironia e sátira, misturadas com doses de melancolia, ruína e morte. É o registro de Machado para um mundo de personagens amalucadas que justifica o título ´estrambótico´ sacado pela análise de Valentim Facioli, a qual busca um acordo com um leitor astuto e democrático.
Antônio do Amaral Rocha
Sobre o autor: Valentim Facioli é professor aposentado de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo. Co-autor de Machado de Assis: Antologia & Estudos, São Paulo, Ática, 1982; Graciliano Ramos: Antologia & Estudos, São Paulo, Ática, 1987; organizador de Breton/Trótski: Por uma Arte Revolucionária Independente, Rio de Janeiro/São Paulo, Paz e Ter-ra, Cemap, 1985 e numerosos ensaios e artigos em jornais e em revistas nacionais e estrangeiras.
Especificação: Um defunto estrambótico:
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