Carbono: poemas
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Carbono – poemas
Desde o lançamento quase secreto de A lapso (1999), Tarso de Melo veio conquistando um lugar especialíssimo entre os poetas de sua geração. Dono de um verso curto e seco, este poeta sabia provocar no leitor ressonâncias fortes, descortinando ângulos inesperados (mais do que os panoramas, que todos esperam). Além disso, nem adotava a retórica da intimidação para negar o contemporâneo, nem se alinhava com os “funcionários do contemporâneo”.
Era novo apenas. E um novo livro seu passou a ser muito esperado. “Um dia igual aos outros”, diz o primeiro verso de Carbono, já apontando para uma das nuances do título: os dias iguais, em cópia, em série, papel carbono. A idéia de gás carbônico também comparece, e não só na “paisagem desidratada” do longo poema “Deserto”, que se abre, entre sol e poeira, com o poeta escrevendo cartões “ao acaso, a ninguém”, e se fecha pelo gesto simbólico do abandono do caderno (mas não da escrita, pois para Tarso interessa, e muito, a representação posterior à impossibilidade de representar, e uma vez abandonado o caderno das representações ainda resta a “caderneta das apropriações”, título de uma seção do livro).
Carbono registra a “contagem das horas baldias “Um verso fala em “noites catalogadas”, do mesmo veneno é feito o verso que fala em “retrair-se a agenda alheia”. E a tal conteúdo, tal forma: as imagens se encadeiam através de aditivas e explicativas (é enorme a profusão de “porquês”) e quase nenhuma adversativa (lembro-me de apenas três em todo o livro): “porque sempre a noite/ contra o vidro/(…)/ porque/ sempre idêntica/ a música dos latidos distantes/(…)/ porque/ sempre exata/ a pontaria do cansaço”. Cansaço esse que, além de nomear um ótimo poema, parece responsável pelo tom sempre menor do livro (“falar baixo a língua dos dias, das horas”) e por certa “resignação enclausurada”, que tem na mallarmeana fórmula do mesmo se um refrão mais fiel do que o se da esperança aberta.
Dono de um verso curto e seco, este poeta sabe provocar no leitor ressonâncias fortes. E um novo livro seu passou a ser muito esperado. O que não quer dizer ausência de crítica. Tome-se o poema “Cidade”: ao ver que “raios racham o céu”, o poeta volta o olhar para as “goteiras – maiores/ que o sono – sobre/ um balde no entulho”, desprezando a espetaculosidade da cena celeste pelo detrito (no entanto iluminado por esse mesmo fulgor). Poderíamos aplicar a este gesto o conceito de “modernidade negativa” com que Emmanuel Hocquard uma vez definiu (por oposição a “modernidade triunfante”) parte da produção poética atual: “poesia substrativa, atonal, minimalista, fragmentária, objetiva e literal” Tudo isso a poesia de Tarso de fato é, mas creio que o que traz de contribuição original não é pouco.
É, aliás, o principal. Afinal, é uma imagem forte e crítica do Brasil de hoje e de nossa “condição latinoamarga” (“Urubus adiam o passeio: hay cadáveres!”) essa que ele nos oferece desde um deserto “na periferia do capitalismo” quando, ao céu rachado por raios lá em cima, faz corresponderem os telhados rachados aqui embaixo (de onde as goteiras), os detritos de sono e mercadorias irmanados no entulho, aonde vão se amontoando os dias sempre iguais.
Carlito Azevedo
Sobre o autor: Tarso de Melo é nascido na cidade de Santo André, São Paulo, em 3 de dezembro de 1976. Autor dos livros de poemas A lapso (1999), Deserto: 20 poemas (2001) e Um mundo só para cada par (2001), este último em parceria com Fabiano Calixto e Kleber Mantovani, todos pela Alpharrabio Edições. Autor ainda de História da literatura em Santo André: um ensaio através do tempo, editada pelo Fundo de Cultura local, em 2000, e colaborador de Drummond revisitado (col. LeituraCrítica – São Paulo: Editora Unimarco, 2002).
Especificação: Carbono: poemas
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