Rumo à fala: três crianças autistas em psicanálise
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Rumo à fala – três crianças autistas em psicanálise
Estudo para “A Madona de Port Lligat”, 1949 Kanner, em seu texto princeps de 1943, declarava que, no autista, a linguagem não é feita para comunicar: para ele, não havia diferença alguma entre autistas que falam e autistas que não falam. A quantidade de salmos e poemas que certos pais lhes haviam ensinado não seria, interrogava-se ele, uma das causas dos distúrbios de comunicação? Numa pesquisa feita por ele trinta anos mais tarde, fica claro que, paradoxalmente, foram essas crianças saciadas de linguagem que conheceram as evoluções mais favoráveis. É difícil não pensar que essas falas, ainda que decoradas, produziram sobre elas efeitos de mutação estrutural.
Entretanto, já em 19746, Kanner falava de seu espanto diante da capacidade poética e criadora da linguagem das crianças autistas. Ora, só o anátema que ele havia lançado sobre essa linguagem passou a posteridade, marcando com sua influência várias gerações de educadores e terapeutas. Por exemplo nesses estabelecimentos de cuidados que a criança autista desfia automaticamente. Despreza-se aquilo que e considerando sonoplastia para só achar verdadeira a instauração de um laço afetivo com criança. As três crianças autistas de que vou falar insiram-me que uma certa escuta analítica de suas produções sonoras – por mais insignificantes que possam parecer – permite a emergência de uma fala que a criança pode posteriori reconhecer como sua. O trabalho com uma criança autista efetua-se ao avesso da cura analítica clássica: o objetivo do analista não é interpretar as fantasias de um sujeito do inconsciente já constituído, mas permitir que tal sujeito advenha. Ele se faz aqui intérprete, no sentido de tradutor da língua estrangeira, a um só tempo em relação a criança e em relação aos pais. Sabemos a que ponto as condutas estereotipadas e as reações paradoxais das crianças autistas podem desorganizar seus pais até ocultar para eles o valor de ato ou de fala de tal produção da criança. Esse primeiro trabalho de tradutor vai permitir que os pais vejam a criança em seu brilho de chama ali onde eles as vezes só viam então dejeto. Assim, a mãe poderá enconrar sua capacidade de ilusão antecipadora; isto é, sua aptidão para entender uma significação ali onde talvez só haja massa sonora – o que Winnicott chama a loucura necessária das mães. Pouco importa aqui saber se a perda dessa capacidade é causa ou consequência dos distúrbios da criança. É forçoso reconhecer que um bebê que não chama, ou não chama mais, que não olha, ou não olha mais, desorganiza completamente sua mãe. Em consequência, instala-se um círculo vicioso que deve antes de tudo ser rompido.
Especificação: Rumo à fala: três crianças autistas em psicanálise
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