Dentrofora:
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Dentrofora –
A poesia de Sanchez é voraz e especulativa. Sorve a leitura de outros poetas como experiência poético-crítica e institui, a partir desta leitura-encontro, possibilidades criativas das mais variadas. Dialogando decisivamente com a poesia moderna e contemporânea, cria uma constelação poética para si e para seus leitores. As vozes de outros escritores cintilam em dilatada miríade de particularidades arranjadas em esboços imagéticos significativos. O eixo temático mais expressivo (que sempre se reitera, girando em torno de si, ao simultânea e paradoxalmente retornar como um outro, como diferença constitutiva do sujeito poético e de sua enunciação) é a imbricação de categorias aparentemente dicotômicas: sujeito/objeto, ser/parecer e memória/escrita, conjugados pela fricção entre prosa/verso que tanto potencializa, quanto expõe os limites experimentais da antinomia medular indicada no título do livro. A relação com a história, sobretudo a de nossa “agoridade”, é marcante. Ao valer-se da alegoria do “anjo da história” benjaminiano, Sanchez pensa os “resquícios” do mundo em que vive, indiciando o caráter descontínuo e efêmero da contemporaneidade. Em termos poéticos, trata-se de reformulação imagética do poeta trapeiro, embora já desmistificado completamente. O vazio e o desconcerto da existência agem como cifras que formulam poeticamente lucidez mesclada ao espanto, em certa medida, melancólico, de se viver em meio a ruínas, particularmente, àquelas de si próprio, afinal, “[…] o tédio é o pássaro dos sonhos que choca o ovo da experiência”, conforme Walter Benjamin. Mas é exatamente essa nuance existencial, coadunada à forma dos poemas, que permite a experimentação de uma espécie de “poesia-glitch”. Sanchez usa o “erro” digital ou analógico para fins estéticos, corrompendo dados digitais, assim como apropriando-se da tradição poética, para manipulá-los, decompondo-os por meio da intersecção de “ladroagem”, paródia e ironia: “transmutação aberta criando /
ingredientes de mistura alheia”, diz o poeta.
A leitura dos poemas propicia uma visão caleidoscópica do mundo, em que a luz dialoga com a sombra, o belo com o feio, reproduzindo histórias e geografias obstinadamente
reinventadas. O engendramento poético, destacados os neologismos, as permutações e as paronomásias, permite viagem na e pela linguagem, através de um processo construtivo que arrasta as palavras aos extremos da experiência, situando-as em uma zona fronteiriça, cujo centro deriva da leitura que Sanchez faz, entre outras vozes líricas, das galáxias poéticas e das prosas críticas de Haroldo de Campos, mas, sobretudo, do
mundo em que vive. Encarando a experiência traumática da relação entre as figuras do “concreto” e do “sangue”, dentrofora redimensiona este último em tinta sinalizadora de fantasmas-palavras que convidam o leitor a construir, conjuntamente à escrita, outras possibilidades (po)éticas de visão e de habitação no real. O gesto é nomeado pelo próprio poeta: trata-se de “poesia guimicante”.
nathaly felipe
Especificação: Dentrofora:
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