Ninguém nos salvará de nós:
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Ninguém nos salvará de nós –
Quando Ricardo II — na peça shakespeariana que leva o seu nome — manda o nobre Bolingbroke para o exílio, este ouve de seu pai, João de Gaunt, que todo lugar debaixo do céu há de ser, para o homem sábio, um porto seguro. Pois lendo estas crônicas de Marcos Pamplona, brasileiro autoexilado em Portugal, foi nisso que pensei: na sabedoria e na ternura dos que se deixam acolher e amparar.
Longe da pátria em chamas, o cronista percebe que cruzou o oceano para finalmente “morar em si mesmo”. Em meio a uma Lisboa pandêmica, busca aclimatar-se à cidade, mas logo se vê preso aos rigores do isolamento compulsório, vivendo assim um retiro dentro de outro. Sempre que pode ou precisa, sai às ruas vazias da capital portuguesa para comprar carne, pegar o barco, operar um cisto, cortar o cabelo, lavar a roupa. No caminho cruza com personagens comuns e a princípio cômicos, às vezes rudes ou irritantes, mas que sob seus cuidados ganham uma profundidade tão comovente quanto insuspeitada: a vizinha Napoleontina, ranzinza e solitária; as senhorinhas criadas sob o salazarismo e que, para se proteger da “acusação de nada fazerem”, jamais despem o avental; Nishan Singh, o comerciante indiano de turbante roxo; o barbeiro budista nepalês e o hábil açougueiro Moreira; o velho barqueiro que perdeu as filhas e a esposa num acidente náutico; e o menino de skate às margens do Tejo, que o estrangeiro admira como a um novo Tadzio, num balneário eternamente tomado pela peste.
“Não sei por que insistimos em conhecer pessoas”, diz-lhe a certo momento a namorada, Rute. E Pamplona concorda: também não sabe. Como excelente cronista, porém, cumpre o seu papel: ele as procura, escuta e compreende, em cada uma delas encontra um pedaço de si e o resgata, o traz à luz de uma dúvida, uma desconfiança ou até mesmo uma grande descoberta, a um só tempo íntima e universal.
Luís Henrique Pellanda
Especificação: Ninguém nos salvará de nós:
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