Um dia, o trem:
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Um dia, o trem –
O conceito quase-cinema exposto por Hélio Oiticica para a força plástica resultante de vídeos-de-artista poderia — quase poderia — servir para designar estes impactantes poemas de Fernando Fábio Fiorese Furtado, acrescendo-lhes os nomes possíveis de quase-pintura, quase-soneto.
A imagem de um amplo e duplo sentir e ver gera o acontecimento forte, e de contido afeto, do livro inteiro: o encontro. Mais do que encontro, o amálgama indissociável que pulsa e age na febril tensão pai-filho-pai-filho, construindo um quase-outro, uma personagem diversa e multiplicada em que se articulam as relações, também indiscerníveis, entre prosa e poesia, imagem livre e sentença seguida, formando, portanto, no todo, uma quase-narrativa. A habilidade emocional e crítica do saber poético de Um dia, o trem situa-se, para além dos vocábulos em si, nos ritmos, nos cortes, nas curvas, nos cernes rímicos, plurais e vastos; torna-nos leitores, espectadores, ouvintes.
O corpo nosso ouve aquelas batidas, aquelas ressonâncias: aqueles retornos admiráveis de problemas insertos na musicalidade rara: quase-música, algum Ravel — segue e volta, criam-se desvios, rampas. Algo de uma artística e sublime melancolia modela o tempo. Que passa e não passa, que segue e não segue: o trem, a coisa, o sentir fortemente. Um macio silêncio por vezes. E encontramos, nas dobras de o quase-mesmo-homem, variadas alturas e posições (o menor, o mais alto; o próximo da terra, o mais distante; o que se conecta com a mão direita, o que se firma na esquerda).
Já no título, algo daquele mundo lírico do grande cinema italiano, agora de modo contemporâneo refeito: Scola, Bertolucci, Antonioni. Flashes, cenas rápidas de amor difícil, difícil e contundente. Recortes e ângulos pictóricos, visuais, reflexivos. E belos quadros e telas. Sobre tais, escritura grave a invocar-nos, sendo funda, para — vivendo o que sente o quase-quem, indagando quem é aquele-quem, pondo-nos à procura de um quase-quem somos — o incisivo mundo de uma ferroviária idade; faz-nos o livro participantes desse minimalíssimo romance, quase.
Nele, viveremos entre o que há do sagrado da queda (‘Mas é apenas a esquerda do menino / que cai — e deixa órfã a destra do pai’) e do milagre do não-poder (‘Porque nada pode o pai, mesmo prosa, / quando um trem atravessa suas histórias / e da frase rasura o horizonte / e baralha as linhas do sobrenome.’).
De inumeráveis lentes-bitolas-línguas vale-se o homem que — dentro / fora — escreve, unindo imagem e imagem, ente e ente, dedos e dedos. Assim, trilhos e mapas de menino em carne desenham-se.
Roberto Corrêa dos Santos
Sobre o autor: Fernando Fábio Fiorese Furtado nasceu em 1963 na cidade de Pirapetinga, Minas Gerais. Reside desde 1972 em Juiz de Fora, onde exerce o magistério superior. Dentre outros livros, publicou Dançar o nome (antologia poética em parceria com Edimilson de Almeida Pereira e lacyr Anderson Freitas, 2000), Corpo portátil:1986-2000 (reunião poética, 2002), Dicionário mínimo: poemas em prosa (2003) e Murilo na cidade: os horizontes portáteis do mito (ensaio, 2003). Poemas, contos e ensaios de sua autoria figuram em jor-nais, revistas, coletâneas e antologias publicadas no Brasil e no exterior (Argentina, Espanha, EUA, França, Itália, Portugal e Suíça).
Especificação: Um dia, o trem:
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